quinta-feira, 2 de novembro de 2017

500 anos da Reforma protestante: ‘não estamos onde estávamos, e não queremos ficar onde estamos. Queremos ir em frente’.

Duas especialistas na relação católico-luterana, uma católica e outra luterana, dizem que as atuais celebrações conjuntas do 500º aniversário da Reforma Protestante refletem um forte anseio por unidade na base e podem representar uma nova “primavera” no ecumenismo, ou seja, a busca pela unidade cristã.
Quinhentos anos atrás, de acordo com a tradição, Martinho Lutero pregou suas 95 tesesna porta da Catedral de Wittenberg, na Alemanha, disparando, assim, a reforma protestante e dividindo o cristianismo ocidental.
Hoje, duas especialistas de cada lado da divisão católico-luterana dizem que o que detectam nas trincheiras é uma “surpreendente” sede por unidade.
Kathryn Johnson, diretora da Igreja Evangélica Luterana na América (Ecumenical and Interreligious Relations for the Evangelical Lutheran Church in America – ELCA), disse, recentemente, em uma assembleia da ELCA, que esse espírito era forte.
“A profundidade do desejo expresso pelas pessoas no nosso conselho diretivo, do qual 60% são leigos, nos surpreendeu”, disse. “As pessoas querem que avancemos nesse ponto, porque reflete no cotidiano.”
“Eu acho que a visibilidade deste aniversário nos oferece uma oportunidade de dizer ‘Não estamos onde estávamos, e não queremos ficar onde estamos. Queremos ir em frente'”, disse Johnson. “Acredito que a profundidade desse sentimento do nosso povo nos surpreendeu”, afirmou.
A Irmã Susan K. Wood, membro das Irmãs de Caridade de Leavenworth, no Kansas, professora de teologia na Universidade Marquette e líder veterana no diálogo entre católicos e luteranos, disse que as comemorações conjuntas do aniversário da reforma podem marcar um ponto de virada.
“Antes, as pessoas costumavam falar de um ‘inverno ecumênico’. Como se o ecumenismo estivesse desfalecendo”, disse. “Acho que o que aconteceu é que esta comemoração nos levou à primavera, em que as pessoas se preocupam com as relações entre luteranos e católicos.”
“Penso que está afetando as pessoas porque cada diocese está celebrando em conjunto, de alguma forma”, afirmou, “e isso está trazendo o ecumenismo de volta de uma forma diferente da antiga para as pessoas comuns”.
Ambas apontaram para a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica, de 1999, como um momento importante do caminho.
“Para os luteranos, foi algo gigantesco”, disse Johnson. “Na nossa questão-chave acerca da Reforma, dizíamos que já não tínhamos que condenar a doutrina e a prática católicas, e isso foi extremamente importante.”
Wood e Johnson concederam a entrevista abaixo, por vídeo, no final de outubro.
Na mente popular, a Reforma Protestante tratava basicamente da separação entre protestantes e católicos. Então por que é importante, 500 anos depois, celebrar este marco juntos?
Johnson: Acho que os luteranos gostariam de dizer, muito claramente, que o objetivo da Reforma Protestante não era a separação, mas a reforma, e a separação veio depois. É um efeito colateral com que convivemos e nos tornamos confortáveis em excesso nos últimos 500 anos.
Era importante para os luteranos garantir que não fosse mais uma oportunidade de colocar sal nas feridas da divisão. Acho que a frase usada no serviço de Lund [Suécia], em que o Papa Francisco e líderes luteranos iniciaram este ano de celebração no dia 31 de outubro do ano passado é um resumo importante de como nos sentimos. Diz que ‘Cristãos luteranos, ao lembrar os acontecimentos que levaram à formação específica de suas igrejas, não querem fazê-lo sem seus companheiros cristãos católicos’. Havia um desejo, ou seja, um anseio, de não perpetuar esta separação.
Wood: Cada celebração tem seu próprio contexto histórico. O fato é que os católicos envolveram-se no diálogo ecumênico com os luteranos por 50 anos, desde o encerramento do Concílio Vaticano II. O que muitos católicos não entendem é que um dos objetivos do Concílio Vaticano II era a unidade com outros cristãos. O primeiro documento do Concílio foi sobre a liturgia, e seu primeiro parágrafo menciona a unidade cristã.
É importante celebrar isso porque trabalhamos por 50 anos para atingir essa unidade e temos que curar as divisões do passado.
Há apenas 100 anos, é provável que a ideia de uma celebração conjunta da reforma pareceria quase impensável, ou, no mínimo, terrivelmente avant-garde. O que mudou em cada tradição para que isso fosse possível?
Wood: No mundo católico, antes do Concílio Vaticano II, tínhamos essa noção de ‘retornar’ ao ecumenismo, que nem era um ecumenismo verdadeiro. Era algo do tipo: ‘os protestantes estão errando e deveriam vir para casa, em Roma’. Foi isso que mudou com o Concílio Vaticano II, pois reconhecemos os elementos da Igreja de Cristo em nossos irmãos e irmãs que estavam separados.
Nos envolvemos num ‘ecumenismo espiritual’ de reconciliação. Aprendemos uma nova humildade como Igreja. Somos menos convencidos agora, espero, e acredito que por todas essas razões mudamos nosso posicionamento em relação a outros cristãos.
Johnson: Isso se refletiu no posicionamento luterano, porque o Vaticano II também foi um evento importante para os luteranos na mudança de tom da nossa relação com os católicos. Sem isso, não teríamos estes 50 anos de diálogo, que, a nível nacional, em locais como os Estados Unidos, a Alemanha, os países escandinavos e o Brasil, bem como em nível internacional, mudaram a maneira como nos apresentamos uns aos outros.
Acho que, além disso, tem havido um legado comum de conhecimento, que começou antes do Concílio Vaticano II. O movimento litúrgico, por exemplo, foi uma influência comum em nossas igrejas, o que nos aproximou muito em nossa experiência semanal da vida cristã. Tudo isso nos permitiu, como disse Susan, colher os frutos do ‘ecumenismo espiritual’ em nossas relações e nossas amizades.
Wood: Também não podemos esquecer o que aconteceu em 1999: a assinatura, por autoridades de ambas as igrejas, da Declaração Conjunta da Doutrina da Justificação. Para os católicos, foi a primeira vez que receberam oficialmente resultados do diálogo entre igrejas a partir da reforma. Para os luteranos, a justificação é a doutrina pela qual julgam-se todas as outras doutrinas.
Eu digo aos meus alunos que a palavra ‘justificação’ não sai da boca dos católicos com tanta frequência, porque para nós é um termo estrangeiro. Tendemos a falar mais de ‘santificação’ do que de ‘justificação’. No entanto, foi um avanço que os católicos, acho, não apreciam tanto em nossas relações.
Todos os outros acordos depois de 1999 baseiam-se nele, e isso afeta como celebramos este tempo juntos.
Johnson: A respeito do que disse Susan, acho que a Declaração Conjunta trouxe alguns avanços significativos.
Um deles foi que, para os luteranos, era algo gigantesco. Na nossa questão-chave acerca da Reforma, dizíamos que já não tínhamos que condenar a doutrina e a prática católicas, e isso foi extremamente importante.
Também nos forneceu um panorama pelo qual podíamos honrar e apreciar nossas diferenças em piedade e vocabulário, de que Susan falava. Não é preciso que a justificação seja o termo favorito dos católicos para que não seja mais um termo de divisão entre nós.
Wood: Acho que também temos de olhar para o que está acontecendo com o ecumenismo de base, não apenas em relação às igrejas oficiais, mas às pessoas.
No verão passado, tive o privilégio de assistir à assembleia geral da ELCA, onde confirmou-se a Declaração Conjunta, com enormes 99,4% de aprovação. Tivemos uma sessão de escuta na noite anterior e esperávamos todo tipo de questões doutrinárias.
Em vez disso, as pessoas fizeram fila junto ao microfone, dando testemunhos de como tinham trabalhado juntas em paróquias, em questões de justiça social ou sobre sua experiência em casamentos ecumênicos. As pessoas, as pessoas comuns nos bancos das igrejas, têm sede pela continuidade deste trabalho com o ecumenismo e por alcançar a unidade pela qual anseiam. Foi emocionante.
Vocês poderiam mencionar um resultado prático que esperam que possa advir deste ano de celebração que o católico ou luterano praticante realmente notaria?
Johnson: O que Susan mencionou sobre a nossa assembleia geral também foi uma surpresa para nós, luteranos. A profundidade do desejo expresso pelas pessoas no nosso conselho diretivo, do qual 60% são leigos, nos surpreendeu. As pessoas querem que avancemos nesse ponto, porque reflete no cotidiano.
O ano do aniversário elevou a relação entre católicos e luteranos de forma especialmente intensa. Não conheço um único sínodo dentro da Igreja Luterana que ainda não tinha uma comemoração local do aniversário com seus vizinhos católicos. Já aconteceu a nível paroquial, em que muitas pessoas escrevem para mim sobre seus novos amigos católicos, ou quando aprendem algo diferente. É uma prática que querem continuar no seu trabalho de bairro com imigrantes, para tornar um testemunho comum.
Eu acho que a visibilidade deste aniversário nos oferece uma oportunidade de dizer: ‘Não estamos onde estávamos, e não queremos ficar onde estamos. Queremos ir em frente’. A profundidade desse sentimento do nosso povo nos surpreendeu.
Wood: Antes dessa celebração, as pessoas costumavam falar de um ‘inverno ecumênico’. Como se o ecumenismo estivesse desfalecendo. Acho que o que aconteceu é que esta comemoração nos levou à primavera, em que as pessoas se preocupam com as relações entre luteranos e católicos.
Penso que está afetando as pessoas porque cada diocese está celebrando em conjunto, de alguma forma, como disse Kathryn, e isso está trazendo o ecumenismo de volta de uma forma diferente da antiga para as pessoas comuns.
A entrevista é de John L. Allen Jr-  Crux
Fonte: Blog do Carmadélio

Nenhum comentário:

Postar um comentário