domingo, 23 de julho de 2017

O CONCEITO DE PERDÃO NA BÍBLIA



O homem pós-moderno, esta submergido num mundo que privilegia as rupturas dos laços da amizade, da tolerância, da compaixão e até do amor, em favor das relações baseadas em contratos em troca de ganhos financeiros. Com isso termina esquecendo que existe o perdão como forma de reparar essas rupturas. Portanto, hoje é necessário chamar a atenção para voltar ao Perdão.

NO ANTIGO TESTAMENTO
E para aprofundar esse conceito, que está na base da maioria das religiões e, portanto, da católica, é necessário voltar nas origens do hebraico que mostra quatro nomes para PERDÃO o primeiro é Nasa que significa levantar. Usado na Bíblia por cerca de treze vezes com sentido de perdoar. Gn 50.17-21-José perdoa seus irmãos no sentido de tirar da pobreza e levantar para riqueza. Nm 14.13-19-Moises pede para Deus perdoar a murmuração do povo para que eles continuem em pé.

A palavra Kaphar no sentido de cobrir, é usada por cerca de dez vezes com o sentido de perdoar; embora seja uma palavra traduzida, principalmente, por expiar. Exemplo. Sl 78. 38; Jeremias 18.23; Dt 21.8; 2 Cr 30.18; Lv 8.15; Ez 45.15 e 17; Dn 9.24; Dn 9.18-19. O perdão de Deus serve para proteger do mal.

Salach também no sentido de perdoar. Verbo hebraico usado por quarenta e sei vezes, conforme se vê, por exemplo, em Nm 30.5, 8-12; 1Rs 8.30, 34, 35, 39, 50; 2Cr 6.21, 25, 27, 30, 39; Sl 103.3, Jr 31.34 e 36.3; Dn 9.19; Am 7.2

Sallach que é a ação de perdoar e em hebraico assume a função do adjetivo perdoador Sl 86.5. O perdão é um ato Divino, que resulta no perdão do transgressor humano. Por igual modo, um ser humano pode perdoar a outro e o Dt 15.1 deixa claro que deve acontecer a cada sete anos.

"Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente, longânime e grande em misericórdia e fidelidade; ... que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado" (Ex 34.6 e 7). "Quem, ó Deus, é semelhante a Ti, que perdoas a iniquidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a Sua ira para sempre porque tem prazer na misericórdia" (Mi 7.18).

O homem que não cumpre a Lei que Deus deu ao seu povo, por intermédio de Moisés, peca contra Deus e, portanto, precisa do Seu perdão. O Senhor sendo um Deus misericordioso, que não quer a perdição do pecador, mas que ele se arrependa e volte para Ele, é capaz de: Remover o pecado, pondo-o de lado, joga fora como roupas sujas e rasgadas (Is 6.7; Zc. 3.4); Afastar o pecado (Ex 34.6-7); Apagar o pecado (Is 43.25; 44.22; conf. Sl 51.1-9); Lavar e limpar o pecado (Sl 51.2; conf. 51.7; Jr 33.8); Eliminar o pecado (Sl 51.7; 103.12); Cobrir o pecado (Sl 33.1); Expiar o pecado (Ez 16.62-63; conf. Is 6.7; Sl 65.3; 79.9); Esquecer e não se lembrar do pecado (Is 43.25); Lançar para trás de Si e no mar o pecado (Is 38.7; Mi 7.19); Perdoar o pecado Sl 103.3; Ne 9.17; Sl 130.4; Is 55.7.

No Antigo Testamento, o povo escolhido, tem plena consciência dos pecados cometidos e por isso o perdão é algo de suma importância. Pensando nisso, criaram os 10 dias de Arrependimento, cujo último dia é conhecido como Yom Kipur ou Ioum Quipúr que é o Dia do Perdão, uma das datas mais importantes do Judaísmo. No calendário judaico começa no crepúsculo que acontece no décimo dia do mês hebreu de Tishrei (que coincide com setembro, início da primavera), continuando até ao seguinte no pôr do sol. Os judeus tradicionalmente observam esse feriado com um período de jejum de 24 horas e oração intensa.

Com isso, pode-se concluir que o Deus do Antigo Testamento é um Deus perdoador. E por isso foi elaborado todo um sistema de sacrifícios vinculados diretamente à ideia de expiação e, consequentemente, do perdão. Pois, não há que duvidar que os israelitas, pensavam que seus sacrifícios eram eficientes para o perdão de seus pecados, mediante a expiação Lv 4.20. As ofensas são vistas como perdoadas, e o perdão é encarado como um ato da graça divina, que deve ser recebido com profunda gratidão. O pecado merece ser punido, e o perdão é uma medida da graça e da misericórdia divinas. O recebimento desse benefício deveria criar o senso de temor no coração dos homens Sl 130.4; Dt 29.20; 2Rs 24.4; Jr 5.7; Lm 3.42.

NO NOVO TESTAMENTO
No Novo Testamento Jesus em seu ministério, não se limitou a ensinar sobre o perdão, mas o demonstrou em diversas ocasiões. Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados. (Lc 6.37). Portanto, Jesus trouxe pessoalmente o perdão de Deus e o entregou com obras e palavras a quem mais precisava. A missão Jesus mostrou que Deus além de ser perdoador é também Pai misericordioso que ama intensamente ao homem, ao ponto, que foi capaz de entregar seu próprio Filho, o Primogénito, para resgatar o homem do pecado. A partir desse fato, não é mais necessário, sacrifícios expiatórios, pois Jesus se entregou como Cordeiro imolado para limpar, de uma vez por todas, o pecado do mundo; Nele todos os homens são perdoados. E isso ficou claro nas palavras gregas que foram usadas para expressar o sentido de perdão, como segue:

Aphíemi termo grego com sentido de deixar ir, usado por cento e quarenta e cinco vezes no Novo Testamento, desde Mateus 3.15 até Apocalipse 11.9. Jesus, segundo o evangelista Lucas 6.30-31, ensina acerca de liberar aqueles que nos devem.

Aphesis substantivo empregado por dezessete vezes com sentido de perdão, Mt 26.28; Mc 1. 4 3.29; Lc 1.77 e 3.3 e 4.18 citando Is 61.1 e 4.18 e em Is 58.6; 24.7; At 2.38 e 5.31, Ef 1.7; Cl 1.14; Hb 9.22 e 10.18
Charizomai termo grado que significa ser gracioso com, é utilizada por vinte e duas vezes. Lc 7.21 e 42.43; At 3.14; Rm 8.32- Deus ensina que uma forma de perdoar é presenteando. Em 2Cor 2.12 Paulo mostra que a graciosidade de Deus lhe concedeu portas abertas sobre a sua vida. Ef 4.32 A palavra de Deus ensina a ser bondosos com os outros como Deus é conosco.

Apolúo com sentido soltar, perdoar. Verbo grego que ocorre por apenas uma vez com o claro sentido de perdoar, em Lucas 6.37.

O significa grego do verbo perdoar é, literalmente, cancelar ou remir. Portanto, perdoar é a liberação ou cancelamento de uma obrigação e foi algumas vezes usada, no sentido de perdoar um débito financeiro. Deste modo, fica fácil entender, que o pecador é um devedor espiritual no sentido bíblico. E até Jesus usou esta linguagem, figurativa, quando ensinou aos discípulos como orar. "e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores" (Mt 6.12). Também, na ilustração do escravo que não quis perdoar, Jesus comparou o perdão ao cancelamento de uma dívida Mt 18.23-35.

Uma pessoa se torna devedora quando transgredi à lei de Deus (1Jo 3.4). Cada pessoa que peca precisa suportar a culpa de sua própria transgressão (Ez 18.4,20), pois é justo o castigo do pecado resultante (Rm 6.23). Ele ocupa a posição de pecador aos olhos de Deus e perde sua comunhão com Deus (Is 59.1-2; 1Jo 1.5-7).

O perdão, então, é um ato no qual o ofendido livra o ofensor do pecado, liberta-o da culpa do pecado. Este é o sentido pelo qual Deus “esquece” quando perdoa (Hb 8.12). Não que a memória de Deus seja fraca. Pois, Deus lembrou-se do pecado de Davi a respeito de Bate-Seba e Urias muito tempo depois que Davi tinha sido perdoado (2Sm 12.13; 1Rs 15.5). Ele liberta a pessoa e a perdoa da dívida do seu pecado, isto é, cessa de imputar a culpa desse pecado à pessoa perdoada (Rm 4.7-8).

É importante entender que o perdão de Deus é condicional. Deus perdoa livremente no sentido que ele não exige a morte do pecador que responde a seu convite de salvação, permitindo que a morte de Jesus pague a pena por seus pecados. Contudo, Deus exige fé, arrependimento, confissão de fé e batismo como condições para o perdão do pecador (Mc 16.16; At 2.37-38; 8.35-38; Rm 10.9-10). O arrependimento e a mudança de pensamento, precisam ocorrer antes que o perdão divino seja estendido (At 8.22). Deus chama a perdoar assim como ele perdoa.

CONCLUSÃO
O perdão liberta do pesadelo com o outro, permitindo viver em estado de graça. As pessoas poderão se sentir mais poderosas quando cheias de raiva, mas o ato de perdoar incute uma sensação de poder muito maior. Quando se perdoa, recupera-se o poder de escolha. Não importa se o outro merece perdão; importa que todo ser humano merece ser livre.

Perdoar as mágoas não é fácil, exige muita vontade, força e tempo, pois perdoar implica renunciar à imagem de maltratados, destroçados e de vítimas. O perdão não é em primeiro lugar para o ofensor e sim para quem foi ofendido, pois permite libertá-lo do ciclo interminável da dor, da raiva e das recriminações que o mantem prisioneiro no sofrimento. Se nós perdoarmos, receberemos perdão; essa é uma verdade que deve motivar. Se realmente se compreende o que Jesus fez na cruz, o perdão deve fluir do coração.

O perdão é um processo mental e espiritual de cessar o sentimento de ressentimento ou raiva contra outra pessoa, decorrente de uma ofensa recebida, diferença ou erro, ou cessar a exigência de castigo ou restituição. Este processo não deve ser forçado, pois como todo processo precisa de tempo para respeitar as emoções de raiva, ressentimento, tristeza, dor, desejo de vingança, etc., e esperar que o coração esteja preparado para perdoar, pois precisasse de muita capacidade de amar para conseguir perdoar. Assim o acontecimento doloroso vai perdendo sua força negativa e vai se tornando menos obsessivo, ao ponto de deixar de ser dolorosa a simples recordação.

A pessoa que não consegue perdoar, dificilmente consegue viver o momento presente. Agarra-se ao passado, condenando seu presente e bloqueando o seu futuro, pois sua vida fica presa no fato do passado. A imagem do agressor humilhado e o sofrimento proporcionando ao vingador são um gozo narcisista, temporário, que não liberta o homem do sofrimento e logo se transforma numa prisão para ele próprio. O verdadeiro perdão nasce do amor, e é um ato de humildade que abre caminho à reconciliação. É uma manifestação divina do amor que transcende o coração humano e o faz transbordar até o próprio inimigo. Paulo diz que o verdadeiro perdão nasce de um amor que não procura seus próprios interesses. Esse amor “não contabiliza os erros” 1Cor 13.4, 5.

Perdoar não significa restaurar a relação tal como estava antes. Perdoar não é sinônimo de reconciliação no sentido de retomar a relação no ponto onde estava, pois, perdoar é abraçar a nova situação e redobrar os cuidados para que não aconteça de novo; é aprender com o conflito e fazer uma avaliação da qualidade da relação para ser recriada sob novas bases, principalmente na base do amor. Perdoar não é retirar do outro a sua responsabilidade moral e sim ajudar a compreender as razões do outro para juntos procurar uma estratégia para que isso não se repita. O perdão oferece a capacidade de ver para além da ferida e do ressentimento, a partir de uma perspectiva mais ampla, que permite novos modos de ser e atuar em conjunto e não mais sozinhos.

Perdão vem do Latim perdonare, de per, “total, completo”, mais donare, “dar, entregar, doar”. Portanto, perdoar etimologicamente significa dar plenamente, isto implica uma ideia de plenitude, que expressa uma forma de amor levada ao extremo. Amar, apesar da ofensa sofrida, requer forças espirituais que superam as forças humanas.

Perdoar não é fácil, pelo contrário, é extremamente difícil para qualquer ser humano, porque guarda com força as coisas negativas, mas libera com facilidade as lembranças boas; porém é condição básica para se ter uma relação saudável com Deus.

Perdoar é sinal de força e não de fraqueza.

Bibliografia Consultada
1 - A Bíblia do Peregrino.
2 – Chave Bíblica.
3 - Harris, R. Laird, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo T.

Fonte: Portal Católico

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