"Provavelmente os povos amazônicos originários nunca estiveram tão ameaçados em seus territórios como estão agora"
O Papa Francisco se reuniu nesta sexta-feira com mais de 200 crianças do abrigo El Principito, lugar de acolhida de menores vulneráveis na Amazônia peruana, na fronteira com Brasil e Bolívia.
O abrigo, situado em uma rua de terra próxima ao rio Madre de Dios, foi criado pelo padre Xavier Arbex de Morsier em 1997 para receber crianças vítimas de violência física, sexual ou psicológica.
Atualmente, 40 crianças vivem no abrigo, utilizado por Francisco para se encontrar com outros menores da região em situação de vulnerabilidade.
“Não renunciem ao legado de seus avós, não renunciem a sua vida nem a seus sonhos. Estudem, preparem-se, aproveitem a oportunidade que têm para se formar”, disse o Papa às crianças.
Nascido na Suíça há 75 anos, o padre Xavier chegou ao Peru em 1975 e após percorrer várias regiões do sul do país decidiu permanecer em Puerto Maldonado, capital da região de Madre de Dios, onde havia dezenas de crianças vítimas da violência familiar, de abusos sexuais, de abandono ou de trabalho ilegal, principalmente em garimpos.
O padre passou a recolher menores que perambulavam pelas ruas da cidade em situação de risco, alguns ameaçados pelos pais, outros abandonados a própria sorte e até filhos de pessoas presas.
Após um começo difícil, hoje o abrigo se sustenta financeiramente com a estância Bello Horizonte (hotel turístico) e a cafeteria Gustitos del Cura.
Visita à Amazônia
Em visita pela primeira vez à Amazônia, o papa Francisco pediu nesta sexta-feira (19) ao Peru para defender o pulmão do planeta, respondendo ao pedido de ajuda dos índios com os quais se reuniu em Puerto Maldonado.
“Provavelmente os povos amazônicos originários nunca estiveram tão ameaçados em seus territórios como estão agora”, disse o pontífice, que lamentou as “profundas feridas que a Amazônia e seus povos levam consigo”.
Chegado de manhã a Puerto Maldonado, no sudeste do país e rodeado de florestas, o Papa argentino foi diretamente ao Coliseu, um edifício onde era ansiosamente esperado por 3.500 índios peruanos, brasileiros e bolivianos.
O Papa foi recebido com cantos e danças de diferentes tribos, com suas vestimentas tradicionais, alguns deles coroados com penas e colares de dentes de animais.
Após ouvir os índios lhe contarem as ameaças que pairam sobre suas terras ancestrais, o Papa denunciou “a forte pressão dos grandes interesses econômicos que dirigem sua voracidade sobre petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais”.
Também criticou as políticas que, em nome da conservação da floresta, “acumulam grandes extensões de florestas e negociam com elas”, “oprimindo os povos originários” e expulsando-os de suas terras.
“Temos que quebrar o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma fonte inesgotável dos Estados sem levar em conta seus habitantes”, disse o Papa argentino.
Os povos originários esperam que o Papa se torne seu advogado de defesa.
“Pedimos a ele que nos defenda”, pois “os nativos são sobreviventes de muitas injustiças”, disse Yésica Patiachi, do povo Harakbut.
– ‘Não deixar que as mulheres sejam pisoteadas’ –
O Papa também lançou contra o tráfico de pessoas, que não é outra coisa além de “escravidão”, e a violência das quais são vítimas.
“Nos acostumamos a usar o termo ‘tráfico de pessoas’ (…), mas, na realidade, deveríamos falar de escravidão: escravidão para o trabalho, escravidão sexual, escravidão para o lucro”, disse.
Assim como as florestas e os rios são “usados até o último recurso e depois deixados vazios e sem função”, as pessoas “também são tratadas sob essa lógica”, acrescentou, antes de criticar os programas de esterilização, como os que o Estado peruano usou durante o governo de Alberto Fujimori, nos anos 1990.
“Não se pode ‘naturalizar’ a violência com as mulheres (…). Não é certo olhar para o outro lado e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes, sejam ‘pisoteadas’ em sua dignidade”, continuou, na presença do presidente Pedro Pablo Kuczynski, para quem esta visita é um respiro para que esqueçam por um momento sua delicada situação política.
Após um encontro emocionado com cerca de 200 crianças do lar El Principito, fundado por um religioso suíço para acolher vítimas do abandono, do trabalho infantil, ou da violência, o Papa argentino almoçou com nove nativos de diferentes etnias antes de retornar a Lima, onde se reunirá com o presidente e terá um encontro particular com membros da Companhia de Jesus, sua congregação.
Puerto Maldonado foi a única cidade de sua viagem, iniciada na segunda-feira no Chile, na qual o pontífice não presidiu uma missa.
– Mineração, fator ‘crítico’ –
Puerto Maldonado é a capital da mineração ilegal do Peru, que gera lucros de um bilhão de dólares por ano, mas não deixa benefícios aos povos originários nem à Receita, que perde a arrecadação de cerca de 350 milhões de dólares por ano em impostos, segundo cifras oficiais.
“No sul do Peru, a atividade mineradora é o fator mais crítico” do desmatamento, assegura Matt Finer, diretor do projeto Maap (controle dos Andes amazônicos), formado por duas associações ecologistas, uma local e outra americana.
A destruição da Amazônia se acelerou em 2017 com um recorde de 20 mil hectares devastados, o equivalente a 28.500 campos de futebol, segundo o Maap.
Além disso, os mineiros usam mercúrio para amalgamar o ouro, o que contamina os rios.
A Amazônia, que cobre um terço do território peruano, é tão extensa e remota que não há presença do Estado, o que facilita o crime. Muitas aldeias apenas são acessíveis pela via aérea ou fluvial.
No primeiro semestre de 2017 foram relatados na zona de Puerto Maldonado mais de 100 casos de prostituição infantil e esta lidera o ranking do tráfico de pessoas no Peru, segundo o Ministério Público.
No sábado, Francisco prosseguirá sua visita a Trujillo (norte), e no domingo a concluirá com uma missa multitudinária em Lima, onde algumas pessoas vendem ingressos para ver o Papa, apesar da entrada ser gratuita.
Fonte: Aleteia
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