Caso Queermuseu: Ministério Público impõe interpretação ideológica subjetiva. Isto é verdadeira defesa da diversidade e da liberdade?
A polêmica exposição “Queermuseu“, do Instituto Santander Cultural em Porto Alegre, continua rendendo discussão. Não a exposição em si, que foi fechada por decisão do seu próprio realizador, mas sim os conceitos envolvidos na polêmica em torno dela – e, principalmente, a seletiva interpretação ideológica desses conceitos por parte de quem deveria ser o mais absolutamente imparcial possível.
Um radialista brasileiro frequentemente rotulado como “direitista”, Guilherme Macalossi, acaba de publicar uma crítica ao Ministério Público do Rio Grande do Sul. Independentemente da posição do autor no assim chamado “espectro ideológico”, a crítica proposta é relevante pela gravidade do assunto e merece ser pauta para um debate sério sobre o que, de fato, está em questão.
O jornalista comenta, em seu texto, que o MP gaúcho está praticando uma forma de interferência coercitiva dentro de uma entidade privada. É que o Ministério Público do RS, por meio do que foi descrito como um “acordo”, resolveu ditar ao Santander Cultural o que ele deve expor ao público – e ainda determinou uma pesada sanção financeira caso não o faça: o instituto deverá realizar duas exposições alinhadas à temática da mostra “Queermuseu” e, se desobedecer ao combinado, terá de pagar R$ 800.000,00 de multa.
Não que o Santander Cultural deva achar isto ruim: afinal, o instituto só cancelou a mostra anterior porque viu que estava perdendo clientes e dinheiro; agora tem uma ótima justificativa para voltar a fazer o que já estava fazendo e, no caso de haver novas críticas, poderá transferir alegremente a responsabilidade ao Ministério Público, que, afinal, lhe ordenou realizar as novas mostras.
Apesar do eventual bom grado com que o instituto possa ter recebido essa imposição, trata-se, para todos os efeitos, da ingerência coercitiva de representantes do poder público em uma entidade privada, a ponto de lhe ditarem o conteúdo “artístico” que ela passa a ser obrigada a expor dentro de um determinado prazo, com punição predefinida caso não se sujeite a essa imposição. Se isto é zelo pela “liberdade”, a “liberdade” em questão é do tipo que arrancaria aplausos à ditadura do Turcomenistão.
A “lógica” subjacente a essa alegada “defesa da diversidade” e da “liberdade de expressão” é a mesma que tachou de “censura” a reação das pessoas que se sentiram ofendidas pelas agressões à fé católica perpetradas na mostra “Queermuseu“. Para essa “lógica”, as pessoas que expuseram a sua opinião crítica contra um insulto sofrido cometeram “censura”. Para essa “lógica”, as pessoas que propuseram um legítimo, legal e pacífico boicote contra aquilo que as ofendeu cometeram “censura”. Para essa “lógica”, pouco importa que só tenha aderido ao boicote quem bem quis, já que não houve imposição alguma a ninguém: continua tendo sido “censura”. Para essa “lógica”, pouco importa se não houve qualquer proibição de qualquer espécie por parte de qualquer autoridade contra aquela mostra: continua tendo sido “censura”. Para essa “lógica”, é “censura” quando cidadãos reagem para defender os seus princípios e crenças diante de quem resolveu agredi-los sob a máscara da “arte”. Agressão é arte. Reagir à agressão é censura.
Sempre de acordo com essa “lógica”, a imposição de uma pauta ideológica subjetiva a uma entidade privada por parte de representantes do poder público é um gesto de “defesa da diversidade”. Mas qual diversidade? A dos que acham que agredir a fé alheia é “diverso” do que de fato é?
As questões a serem discutidas, para dizer o mínimo, são inquietantes. Haverá censura contra quem quiser discuti-las?
Enquanto o Ministério Público não resolver multar quem exerce a liberdade de expressão (e, por absurdo que seja, este cenário parece possível), a discussão precisa crescer. E, goste-se ou não de Guilherme Macalossi e dos rótulos que lhe são distribuídos, as questões que ele propõe em seu texto são relevantes para que prossiga o debate – sem censura, ao menos neste momento. Eis o texto, conforme publicado pelo jornal Gazeta do Povo:
Fonte: AleteiaA narrativa de esquerda tentou difundir que o Santander Cultural foi vítima de censura quando a sociedade, por meio de ferramentas virtuais, se mobilizou em protesto contra a mostra “Queermuseu”, cujo conteúdo, da forma como se apresentava, flagrantemente desrespeitava o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal. O que ocorreu foi um boicote, que é uma iniciativa espontânea nascida da motivação individual. A adesão em massa a esse movimento impactou de tal forma no Banco Santander que este se viu obrigado a encerrar a exposição antecipadamente.O suposto ataque à liberdade expressão jamais existiu. Um ente privado, por livre iniciativa, tomou uma decisão como resposta a um conjunto de pessoas que se manifestavam livremente. Assim como entendeu ser melhor fechar o “Queermuseu”, o Santander poderia mantê-la aberta, arcando com o desgaste e os custos financeiros decorrentes. Só poderia haver censura se houvesse uma determinação vertical vinda de um organismo dotado de poderes. No caso, seria censura se um órgão de Estado obrigasse o fechamento da mostra.Por meio de sua Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o Ministério Público do Rio Grande do Sul firmou um termo de compromisso com o Santander Cultural que obriga a entidade a realizar duas exposições com temáticas semelhantes à do “Queermuseu” no prazo de até 18 meses. Segundo o acordo, uma delas versará sobre intolerância e a outra, sobre empoderamento das mulheres. Se o acordo for descumprido, resultará em uma multa de R$ 800 mil.O que muitos vão comemorar como vitória da tolerância não passa de imposição coercitiva da diversidade. O ato do Ministério Público é típico de uma republiqueta bananeira. Parte do pressuposto de que um órgão público pode definir o conteúdo e a programação de um ente privado, inclusive estipulando penas financeiras vultosas.Quando deveria ser ativo, na época em que o Queermuseu claramente infringiu a lei ao expor menores de idade a conteúdo adulto e escarnecer de símbolos religiosos, o MP foi omisso. Agora pretende compensar a inação da época praticando ativismo descarado. Sob a égide da liberdade de expressão, pretende civilizar os brutos e selvagens que “reagiram de forma violenta” – esta é a linguagem presente no termo de compromisso – à exposição. É o autoritarismo virtuoso dos procuradores travestidos de missionários da inclusão.O Santander Cultural, por outro lado, deve estar bastante satisfeito, já que o Ministério Público lhe possibilitou uma bela desculpa caso as novas exposições gerem a mesma repercussão negativa entre o público e seus clientes. Quando cancelou a mostra anterior, o Santander o fez contrariado. Isso fica claro em um comunicado interno do banco, no qual seu presidente ataca os críticos do “Queermuseu” e afirma que “não há empresa mais comprometida com a diversidade” do que a sua. Nunca antes uma obrigação foi tão útil para a aplicação de uma agenda social.Quem sabe os integrantes do Ministério Público de São Paulo não se inspiram em seus colegas gaúchos e firmam um termo semelhante com o Museu de Arte Moderna de São Paulo. Já imagino até as cláusulas: mais duas performances ao estilo La Bête e multa em caso de os artistas não serem apalpados.Guilherme Macalossi, em Gazeta do Povo (14/01/2018)
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